domingo, 17 de fevereiro de 2008

INESQUECÍVEL !

Domingo. Fim da primeira das duas partidas que decidiriam o Campeonato Carioca de 2001. O Vasco vencera o Flamengo por 2 x 1 e conquistara a vantagem de poder perder por até um gol de diferença na segunda partida para conquistar o título. Descia a rampa do Maracanã com meus amigos Pingo e Victório, este segundo um tanto cabisbaixo. Pingo, meu amigo desde os seis anos de idade, se chama Modesto Valim Bria. É filho do saudoso Modesto Bria, volante paraguaio que trazido por Ary Barroso, atuou no Flamengo nos anos 40 e 50, conquistando o nosso primeiro Tricampeonato (42-43-44). Após abandonar os gramados, seguiu sua vida no Clube sendo treinador das divisões de base, vindo depois a ser membro fixo da comissão técnica dos profissionais, aos quais ele assumira como treinador interino algumas vezes. Uma história bonita, de mais de cinquenta anos de amor e serviços prestados ao nosso Flamengo. Victório saía do Maracanã murchinho, murchinho. Já adiantava que não viria ao Maracanã para a segunda partida. Seu desânimo contrastava com a minha confiança, pois apesar da derrota, tinha visto uma boa atuação do Flamengo contra um time do Vasco que ainda reunia em seu elenco, jogadores que formaram o grupo mais vencedor de sua história. Sentia que dava pra reverter o resultado, pois tínhamos um time tão bom, ou até mesmo melhor que o do Vasco. O que significa uma diferença de dois gols tendo mais noventa minutos pela frente? Nada. O futebol já fez diferenças até maiores virarem pó, num espaço de tempo até mesmo mais curto que os já falados noventa minutos. Estão aí as histórias de tantos jogos que não me deixam mentir.
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Segunda-feira. Eu já estava aflito com a venda de ingressos para o segundo jogo que estava por começar. Pingo iria ao jogo comigo, mas Victório não queria ir de jeito nenhum. Tive que usar de todo o meu poder de persuasão para tentar convencê-lo, mas o cara era um poço de falta de confiança. Para ele, o resultado do campeonato fora sacramentado na primeira partida. Com minha tradicional insistência rubro-negra, dei-lhe um xeque-mate com o seguinte discurso:
-Vai que dá! Você não vai estar lá pra gritar TRICAMPEÃO, para gritar pros vascaínos VICE DE NOVO, e tudo mais...-e repetia-Vai que dá!-Vitório se convenceu. Peguei a grana com os dois, juntei com a minha e fui para a Gávea lutar por nossos três ingressos. Quando lá cheguei, pude constatar que a confiança não era só minha. Um mar de rubro-negros se acotovelavam diante das bilheterias. Brigavam por seu ingresso como esfomeados brigam por um prato de comida... Tudo para comprar aquilo que pareciam saber ser um passaporte para a euforia, um passaporte para viver um momento que, todo o rubro-negro que viveu, jamais irá se esquecer por toda a sua vida... Infelizmente, tive que usar de minhas “técnicas”de infiltração na da multidão, ignorando a imensa fila que dava voltas no Clube e que era desrespeitada pela maioria. É uma conduta politicamente incorreta, mas não poderia, em hipótese alguma, correr o risco de voltar com as mãos abanando para meus amigos. Após ficar por mais de duas horas comportadamente numa fila que não andava sequer um milímetro, parti com tudo para furá-la. Todo mundo conhece a bandalha que se transforma a venda de ingressos para jogos importantes no Rio de Janeiro: Uma farra para os cambistas, enquanto muitos torcedores de bem ficam de fora da festa. Desta vez, Eu, Pingo e Victório, não seríamos uns deles. Com a camisa rasgada e todo suado, eu caminhava de volta para casa contemplando a bela vista da Lagoa Rodrigo de Freitas para relaxar um pouco. Voltava com três passaportes para a euforia em meu bolso. Estávamos garantidos na grande final.
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A semana passou. Domingo, nascera o grande dia. Quem é torcedor sabe como é. Nos dias que antecedem uma final, você fica com aquele bichinho da ansiedade dando frio na barriga, incomodando mesmo. Como se fosse você o jogador, com as mesmas responsabilidades e cobranças. No caso do torcedor rubro-negro, a responsabilidade é concreta, a torcida joga junto com o time. Na manhã do jogo, você acorda com a sensação de que todo aquele dia que acabara de nascer é dedicado ao evento da tarde que tanto se espera. Na verdade é, para jogadores, comissão técnica, dirigentes e funcionários do Clube e principalmente para o torcedor. Todo mundo acorda pensando no jogo como se o mundo girasse em torno do Maracanã. Eu, particularmente, gosto de pegar uma praia de manhã, até pra esquecer e relaxar um pouco, mas voltando cedo pra almoçar, evitando queimar muita energia sob o sol forte do Rio.
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Como de costume, saímos de casa umas duas horas antes do jogo. Eu, Pingo e Victório. O ritual é sempre o mesmo: Chegar no Maracanã, tomar umas cervejinhas na porta e entrar faltando uns trinta minutos para o apito inicial. Cumprido o ritual - torcedor de futebol é bicho supersticioso - e já depois de ultrapassado o “curral” e as catracas das roletas de entrada, nos dirigimos para nosso lugar cativo no Maraca: Ali, entre o 42 e o 43 das arquibancadas amarelas. Mais ou menos à direita de onde hoje fica a “Urubuzada”, um movimento de torcidas bacana, que não se mete em brigas e incentiva o Flamengo o jogo inteiro. Lá chegando, encontramos o resto da rapaziada, Marcello 22, Niro e outros. Mais algumas cervejinhas e o jogo começaria já já.
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E a partida começou tensa. O Flamengo se lançava ao ataque pois precisava do resultado. O Vasco explorava os espaços deixados pelo adversário através de contra-ataques perigosos, como logo no início, quando Viola quase abriu o placar não fosse a defesa sensacional de Julio Cezar. Mas aos 23 minutos Cássio é derrubado na área. Pênalti. O capetinha Edílson parte para a cobrança e abre o placar. Um a zero Flamengo.
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A partir daí, o bom time do Vasco pressionou muito. O veloz Euller, o “filho do vento”, dava muito trabalho a defesa rubro-negra. Marcou um gol, que fora prontamente anulado por estar em impedimento. O Vasco perdia chances, Com Viola, Euller e Juninho Paulista. Julio Cezar fazia defesas espetaculares, mas de tanto pressionar, o Vasco empata o jogo. Em boa jogada de Viola pela esquerda, Juninho Paulista recebe o passe cara a cara com Julio Cezar e desta vez não perdoa. Um a um.
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Fim do primeiro tempo. O gol do empate do Vasco foi uma ducha fria na torcida rubro-negra. Os times desceram o túnel rumo aos vestiários ao som do canto da torcida vascaína.
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Logo no início da segunda etapa, dava pra ver que o Flamengo não voltou para brincadeiras. O time estava decidido a levar o Tricampeonato para a Gávea. A torcida percebeu e o apoio foi incondicional. Cantávamos com todas as nossas forças, pois a tarefa do time não seria fácil.
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Logo aos 8 minutos, em brilhante jogada de Petkovic pela esquerda, o "gringo" pedalou pra cima do zagueiro e com um cruzamento milimétrico encontrou o capetinha Edílson livre para marcar de cabeça o gol do desempate. Não era o bastante, faltava mais um...
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O jogo ficara eletrizante. Eram chances de gol para os dois lados e um gol do Vasco fecharia o caixão rubro-negro. Petkovic tinha algumas oportunidades para marcar de falta, sua especialidade, mas desperdiçava uma atrás da outra. Seja para fora ou para a defesa de Hélton. Juninho Paulista também em cobrança de falta, poderia ter liquidado a fatura, mas a bola explodiu no travessão. Tensão total. Julio Cezar fazia defesas espetaculares. Euller chegou a driblá-lo mas perdeu o ângulo para o chute e a chance de decidir o campeonato. A torcida rubro- negra acreditava. Incentivava seu time a todo tempo.
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Foi então que a partir dos quarenta minutos, ouvíamos o som do despertar da torcida rival vindo do outro lado das arquibancadas...a torcida vascaína começara a cantar É CAMPEÃO, É CAMPEÃO ! Aos quarenta e três minutos mais uma falta contra o Vasco, desta vez um pouco de longe. Petkovic se preparava para a cobrança, a uns cinco ou seis metros da meia-lua, mais ou menos do meio para a direita. Me veio aquele pensamento...O “gringo”, exímio cobrador de faltas, já calibrou a pontaria. O goleiro vascaíno Hélton armou sua barreira e o árbitro autorizou a cobrança. Deus quis, que naquela tarde inesquecível de domingo, eu estivesse logo ali, nas arquibancadas amarelas bem atrás do gol, ali no 42, de onde sempre assisto aos jogos. Fui agraciado. Pude presenciar o que acontecera com uma visão privilegiada. Fecho os olhos e consigo reproduzir as imagens com perfeição e requinte de detalhes. Petkovic caminhou para a cobrança e desferiu o chute com sua precisa perna direita. E a bola...Ah, a bola... Lembro bem que na hora, seu trajeto parecia ser percorrido em câmera lenta, como se Deus prolongasse aquele instante para que todos rubro-negros o vivenciassem por um pouquinho mais de tempo...Traçou uma incrível parábola como se fosse sair pela linha de fundo, mas foi com aquela curva mais do que majestosa, que nem os pincéis dos grandes mestres renascentistas poderiam reproduzir em suas telas, que a bola decaiu em direção ao ângulo esquerdo de Hélton. O goleiro num vôo felino, saltou com seu braço esquerdo mais do que esticado em direção ao ângulo. A ponta de seus dedos chegou a resvalar levemente na bola, que inexoravelmente estufou as redes vascaínas e os corações rubro-negros.

Era o gol do título, e que golaço. O imponderável, tão citado por Nelson Rodrigues, se fez presente naquela tarde de domingo. O Maracanã explodiu, o barulho era ensurdecedor. Era cerveja voando pro alto, gente caindo, todo mundo gritando e se abraçando. O Niro chorava, e repetia que não acreditava. O Marcello 22, com os olhos arregalados e a boca aberta, nem falava nada. Nem precisava. Olhava fixamente pro campo, como se também não acreditasse no que acabara de presenciar. Petkovic disparou em sua comemoração efusiva pelo gramado, se jogando em frente ao banco de reservas, onde rapidamente se formou uma pirâmide de jogadores rubro-negros. Não sei se o “gringo” naquela hora tinha noção de que acabara de escrever, definitivamente, seu nome na gloriosa história do Clube de Regatas do Flamengo. Naquele momento, nosso Tricampeonato e o tri-vice do Vasco eram irreversíveis. O grito de O OÔ VICE DE NOVO ecoava em provocação a torcida vascaína que, por sua vez, já batia em retirada. Dali pra frente, seriam pouquíssimos minutos para o fim do jogo, mas a festa pela cidade não tinha hora pra acabar. Era só escolher a boa da night: COBAL do Leblon ou Clipper? Descemos a rampa do Maraca aos pulos, suados feito porcos, bêbados como gambás e felizes como pinto no lixo.

Vivi intensamente o apogeu da “Era Zico”nos anos 80, também conhecida como “Geração de Ouro”do Flamengo. Os jogadores daquele time, foram os heróis da minha infância e juventude e permanecerão heróis para mim enquanto eu viver. Mas naquela tarde de um domingo de decisão no campeonato carioca, com o inesquecível gol de falta do tri, o gol do Pet, eu vivi a maior emoção de minha vida de torcedor e com certeza, uma das maiores emoções de toda a minha vida. Chorei sim, meus amigos, chorei igual criança. E naquele dia me descobri um pouco mais rubro-negro.

Hoje, Victório é comerciante em Macaé e mora em Rio das Ostras, ambas no norte do estado do Rio de Janeiro. Victório foi atrás da economia emergente impulsionada pela indústria do petróleo na região. Todas as vezes em que me encontra, ele repete o “Vai-que-dá-e-você-não-vai-tá-lá-pra-ver” que eu usei para convencê-lo a ir naquele jogo. E também não se cansa de dizer que é e será eternamente grato.

Todos os rubro-negros presentes no Maracanã naquela inesquecível tarde de domingo, jamais se esquecerão de tudo o que aconteceu. Tenho certeza que merecerá um capítulo à parte na história da vida de cada um.

Isso é Flamengo!!!

5 comentários:

Anônimo disse...

VAI-QUE-DA !!!!! E NÃO E QUE DEU...
Realmente o Molina com seu poder de presuasão me fez ir a este memoravel jogo, onde tive uma das maiores emoções da minha vida.
Obrigado meu amigo por me convencer e relembrar este momento inesquecivel para qualquer flamenguista.
Um grande abraço

Victorio

Anônimo disse...

Pô Rod, você me fez literalmente reviver aquela final! Muito bem escrito, parabéns!

Anônimo disse...

Certamente inesquecível para toda nação Rubro-negra...

porco disse...

final inesquecivel eu tava la tambem, eu e meu inseparavel amigo Andrè Russo conhecido como Lilica, aliàs eu li tua estoria e revivi imaginei voces la no Maraca, nessa hora do Car....Viva Molina.

porco disse...

final inesquecivel eu tava la tambem, eu e meu inseparavel amigo Andrè Russo conhecido como Lilica, aliàs eu li tua estoria e revivi imaginei voces la no Maraca, nessa hora do Car....Viva Molina.