quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

A BATALHA DOS AFLITOS E A IMORTALIDADE GREMISTA

Não sou daqueles que torce por um time em cada canto. No Rio ou em São Paulo, em Belo Horizonte ou Porto Alegre, na China ou em Marte, sou Flamengo até morrer.
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Apesar de ser um tradicional rival do Flamengo, é de longa data que tenho simpatia pelo Grêmio de Futebol Porto-Alegrense,“o Imortal”, como o clube é chamado afetuosamente por seus fanáticos torcedores. Minha simpatia já vem de vinte e cinco anos, desde quando o Grêmio foi Campeão Mundial em 1983, na inesquecível partida contra o Hamburgo que fez de Renato Gaúcho o maior ídolo de sua gloriosa história. Assisti essa partida ao lado de minha saudosa e querida avó, a D. Cecília, uma senhora de então setenta anos que adorava futebol. Minha simpatia pelo Grêmio também tem muito a ver com algumas afinidades que observo entre o clube gaúcho e meu querido Flamengo. Os dois são times daqueles conhecidos como “de chegada”, que crescem e não amarelam na hora da decisão. Tem a ver também com o próprio Renato Gaúcho, que, sendo o maior ídolo gremista, veio para o Flamengo em 1986 e por aqui caiu rapidinho nas graças da torcida rubro-negra, tendo participação marcante na conquista do Tetracampeonato Brasileiro de 1987. E, finalmente, tem a ver com a torcida dos dois clubes, de perfil bastante semelhante, que nunca exigiram um time de super-craques, mas jamais admitem jogador sem alma os representando. Chupa-sangue não esquenta lugar nos times de Flamengo e Grêmio. São ceifados rapidinho, rapidinho. Existem grandes ídolos que não foram craques na galeria dos dois clubes, mas é certo que encarnavam a personificação do fanatismo do torcedor dentro de campo. Diferentemente de outras torcidas, as de Flamengo e Grêmio apoiam incondicionalmente seus times, seja na vitória ou na derrota. Talvez por isso que os Deuses do Futebol por inúmeras vezes, contribuem positivamente com o imponderável em momentos decisivos na história dos dois clubes. A raça rubro-negra e a imortalidade gremista são irmãs gêmeas univitelinas, separadas pela distancia cultural deste país continental. Mas a essência é exatamente a mesma.
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Recentemente, vi o Jornalista Eduardo Bueno, o “Peninha,” afirmar que a final de 83 entre Grêmio e Peñarol pelo título sul-americano representa a essência do que é a Libertadores. Justifica que quando se fala de gremistas e uruguaios pode até faltar futebol, mas raça se tem de sobra, para dar e vender. É este o espírito gremista do qual estou falando. Se esta partida representa a síntese e a essência da Libertadores, digo ao “Peninha”, que o jogo contra o Náutico em Recife que levou o Grêmio de volta à elite do futebol brasileiro, é a síntese e a essência do que representa o próprio Grêmio de Futebol Porto-Alegrense. Estavam lá no Estádio dos Aflitos todos os ingredientes: um gramado que mais parecia a superfície lunar, porradaria em campo, expulsões, o drama, o desespero, a confusão, o imponderável gol de Ânderson, e por fim, a glória.
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Fui assisitir ao jogo na casa do Victor Cavalli, o “Gaúcho”, meu amigo da Turma da Constante e de escaladas pelas montanhas cariocas, além de parceiro de Maracanã. Victor é gaúcho de Porto-Alegre, gremista de coração que adotou o Flamengo aqui no Rio de Janeiro. Victor se mudou para o Rio em 1976, tendo oportunidade de presenciar de perto toda a época de ouro do Flamengo nos anos oitenta.
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O Náutico não tinha mais condições de conquistar o título, mas precisava desesperadamente da vitória para garantir seu acesso para a série A. O Grêmio vivia uma situação ímpar. O céu ou o Inferno. Se ganhasse o jogo seria campeão. Um empate serviria para garantir o acesso à elite, e uma derrota significaria mais um ano de exílio na série B, lugar ao qual o Grêmio não pertence, definitivamente.
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O estádio estava repleto. Ironicamente colorido pelas mesmas cores que as do arqui-rival Internacional de Porto-Alegre. O juiz vinha a ser Djalma Beltrami, um árbitro no mínimo polêmico, e muito conhecido aqui no Rio de Janeiro.
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Começa o jogo. O Náutico toma conta do campo, mas não traduz em ameaças concretas ao gol de Galatto seu domínio na partida. Nada fora do previsto. O Técnico Mano Menezes manteve o time cauteloso, bem fechado, sabedor que com o empate, levaria o Grêmio de volta ao lugar de onde nunca deveria ter saído.
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Foi então que o Sr. Djalma Beltrami resolveu protagonizar o espetáculo. Um jogador do Náutico se atira nitidamente dentro da área e Djalma aponta a penalidade máxima sem hesitar. O torcedor gremista gela. Será que o destino lhe reservaria a permanência no inferno? Adrenalina em campo, nas arquibancadas, diante dos televisores...E Bruno Carvalho caminha para a cobrança. A bola explode na trave. O lado azul de Porto-Alegre comemora como se fosse um gol.
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E o jogo continua e com pressão do Náutico. Nem a profética mente de Nostradamus poderia prever o que viria a acontecer no segundo tempo, nem Mãe Dinah, nem ninguém...Só mesmo os Deuses do Futebol. O Grêmio permanecia cauteloso. Até demais. Vez por outra esboçava um contra-ataque mas sem se expor em demasia, visto que o outro jogo do quadrangular final estava dando empate, o que garantiria a volta do Grêmio à 1ª divisão.
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O pior aconteceu. Djalma Beltrami inventa mais um pênalti absurdo contra o Grêmio. Os jogadores partem para cima de Djalma, que expulsa mais três gremistas. O lateral Escalona já havia sido expulso. Nesse momento, eu olhei pro “Gaúcho”e suas mãos estavam na cabeça, quase que tapando seus olhos que sismavam em acompanhar o pesadelo que se desenhava pela tela da TV. Foi então que resolvi dar a minha babalorixada:
-Já era, véio. Não dá mais.
O "Gaúcho" não respondia. Sequer piscava. Seu olhar era fixo na tela, mas perdido em desalento. Após 25 minutos de intensa confusão, com direito até a spray de pimenta, os atletas gremistas são agredidos pelos policiais pernambucanos.
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Sessenta minutos do segundo tempo. O jogador do Náutico parte para a cobrança. Galatto defende e o Grêmio ainda estava vivo. Como se diz lá no sul, “não está morto quem peleia.” Meu amigo Victor sai de seu transe. Seguiram-se a partir daí, talvez os mais gloriosos minutos da história do Grêmio de Futebol Porto-Alegrense.
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O imponderável resolvera entrar em campo no gramado dos Aflitos. Quase que em seqüência, com sete jogadores em campo, O Grêmio repõe a bola em jogo. O garoto Ânderson arranca pela esquerda. Recebe uma entrada dura de Batata que é expulso. Ficaram dez contra sete. Uma batalha desigual para qualquer um, mas não para o Imortal Grêmio. A falta é cobrada rapidamente e a bola está com Ânderson ainda pela esquerda. O garoto dispara como um foguete, rápido como um raio, e os defensores adversários não conseguem pará-lo. Ele penetra a grande área perseguido pelos zagueiros como uma presa por seu predador, mas aquele seria o dia da caça. Ânderson ajeita o corpo e com categoria manda a bola para as redes alvi-rubras. Era o gol redentor. Agora quem não acreditava no que via era eu, apesar de ter a noção exata de que naquele momento, algumas das páginas mais emocionantes da história do futebol estavam sendo escritas diante dos meus olhos.
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Os sete guerreiros que permaneceram no campo de batalha resistiram bravamente até o apito final e seguraram a vitória por apenas um único gol, mas que valeu por mil. E foi assim que a triunfal volta do Grêmio à elite ganhou tons épicos.
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Começaram a ser transmitidas imagens ao vivo das ruas de Porto-Alegre e a cidade estava colorida de azul. O orgulho e a alma gremista estavam lavados. A torcida comemorava como nunca, era gente ajoelhada, gente chorando, gritando, aquele êxtase coletivo que só se vê em torcedores de futebol após as grandes conquistas.
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Este é o Imortal Grêmio. Contra tudo e contra todos, impôs o peso de sua camisa e arrancou na marra a vitória em Recife. Voltou para a elite de maneira esplendorosa e para os braços de sua torcida com a taça na bagagem.
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Foi bacana de ver a emoção do "Gaúcho", que telefonava para Porto Alegre sem parar. Imagino que muitos gremistas espalhados por esse Brasil tenham feito o mesmo. Víctor falou com seu primo, seus amigos gremistas, e sua mãe...quando as lágrimas desceram de seus olhos:
- O pai tá comemorando essa vitória lá do céu, mãe...
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Os torcedores do Grêmio NUNCA se esquecerão desta linda vitória.
Eu também não.

18 comentários:

Felipe Rambo disse...

Poxa, cara, parabéns! Foi o melhor texto sobre o Grêmio, escrito por um não-gremista, que eu já li. Parabéns mesmo.

Anônimo disse...

Obrigado digo eu, felipe rambo.
Obrigado ao Imortal Grêmio, que me proporcionou a oportunidade de escrever o texto ao realizar a histórica partida em Recife.

Daqui a 10, 20, 30, 50, 100 anos existirá alguém que escreverá sobre este jogo, que é eterno.
Anote isso.
Abraço.

Unknown disse...

Bah cara, te parabenizo pelo texto, pois foi muito bem escrito e com relação ao que diz, acredito ser esta mesma a alma do gremista. Não precisa jogar bonito, as vezes nem ganhar, mas tem que dar o sangue pelo Grêmio, isso sim. O teu Flamengo tem isso também e isso faz um clube ser grande. Tu pegaste bem o espírito da coisa.Parabéns.

Anônimo disse...

Pô cara, emocionante! Obrigado pelo texto sobre o meu Grêmio! Abração

Anônimo disse...

Valeu cara, tuas palavras foram sensacionais, até passei a detestar o Flamengo menos. Abraços gremistas

Anônimo disse...

Em primeiro lugar quero agradecer ao meu amigo RODRIGO,pela matéria que fez as lágrimas voltassem ao ler e relembrar estes momentos.Acostumado desde garoto acompanhar o GRÊMIO,tanto no Olimpico quanto no Beira Rio no tempos em que o GRÊMIO enfrentava nada mais do que um time, uma pequena seleção na época com craques como FALCÃO,CARPEGIANNI,FIGUEROA,VALDOMIRO,ESCURINHO,BATISTA,MANGA e etc...e assim fui crescendo e vendo estes tempos explendidos do rival....com seu heptacampeonato.
Mas mais tarde já morando no Rio de Janeiro,o Grêmio ficou um pouco na saudade e distante mas sempre no coração e na alma...mas morando definitivamente no RIO teria umtime...e para escolher um time nada mais fácil do que partidas no Maracanã na Época para poder escolher um time.Foi quando pela primeira vez fui ao Maracanã assistir o clásico jogo entre FLAMENGO X ATLETICO (MG),Flamengo campeão brasileiro com estadio lotado...aquela loucura...foi ai que me apaxonei pelo time RUBRO NEGRO...enunca mais o abandonei.Sendo assim fiquei com dois times na minha alma e coração GRÊMIO E FLAMENGO...e até hoje torço loucamente pelos dois...tanto que quando se enfretam prefiro não saber o resultado dos jogos ou torço sempre para um empate de 1 x1 ,3 x 3,10 x 10 e assim por diante,fico triste com a derrota tanto de um quanto de outrofazer o que ..são duas paixões.Poisdaí em diante tive muitas alegrias com os dois times,o Brasileiro do Flamengo ,o do Grêmio mais tarde,a Libertadores,Copa do Brasil,e os mundiais.Foram multiplas alegrias com estes dois times,mas realmente quando o Grêmio caiu para a Serie B,me pareceu o fim do mundo..lugar que o GRÊMIO jamais poderia ter ido,mas o destino o fez assim e foi aos poucos buscar seu lugar ao sol novamente,e com garra ,luta,paixão e acreditando no Grêmio como sempre foi..VALENTE lá estava ele no estadio dos AFLITOS escrever mais uma pagina na Históia do futebol Brasileiro...é ate mundial com aquele jogo dramatico..que teve nos Aflitos...Aquilo deveria de servir de exemplo a time que um dia queiramconquistar algo de muito valor...em matéria de futebol...e foi uma aula de RAÇA,AMOR E PAIXÃO que o meu Imortal Grêmio fez...sim chorei igual a criança...foi emocionante ,jamais esquecerei este momento do Grêmio e do futebol...gravados na Historia de todo o torcedor gremista..

Anônimo disse...

Obrigado pela visita ao blog e pelas palavras, amigos.
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Valeu Gaúcho, foi mesmo muito emocionante

Anônimo disse...

Faltou dizer que o árbitro carioca é um baita dum covarde, tinha todo o direito que acabar o jogo ali com brigadianos em campo.
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O Náutico foi um dos times mais medríocres que já se viu em campo ao disperdiçar os pênaltis.
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Em miúdos essa entrega dos aflitos só enriqueceu o orgulho do time da azenha em disputar a segunda divisão.
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Dizer que o Flamengo não admite jogadores escorados e super ataque é um pouco de falta de memória - o que foi o tal ataque dos sonhos e as promessas dos dirigentes + o Romário em ser campeão de tudo???
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Eu acho que a galera no Rio "acredita é na rapaziada" isso sim.

Júri de 1 pessoa disse...

Cheguei a me arrepiar lendo este post.

Parabéns

Anônimo disse...

acho que só um colorado mesmo pra desmerecer o feito do grêmio nesse dia, foi de emocionar qualquer boleiro mesmo. ao gremio só elogios.
só não sei como conseguiram colocar um cara desses(beltrami) pra apitar uma final de estadual carioca apenas 2 anos depois desse acontecido, muito estranho, tinha que dar no que deu né, tremenda injustiça, mas dessa vez completa.

porco disse...

So voce mesmo nè Rodrigao emocionar as pessoas...que presente esse teu Blog para eu que estou aqui, e menos distante por sua causa.E o Gaucho ein ta bem na foto...Fui

fleck disse...

Grêmio Foot-ball Porto Alegrense, sem o "de" ;-)

Saudações tricolores.

Anônimo disse...

Grande texto, só faltou mesmo falar dos grandes craques que jogaram nos dois times, além do Renato: Zinho, Tita, Alcindo, Paulo Nunes, etc. Os gremistas te agradecem Flamenguista.

Unknown disse...

po mew, emocionante, chorei lendo o rexto.

n tenho palavras pra ficar elogiando, simplesmente parabens!!!

Anônimo disse...

OI, sou Tania, bailarina de Minas Gerais, vc não me conhece, sou uma grande amiga de tempos atrás, do Victor, vi a foto e gostaria de saber notícias dele e de sua famíli; pela atenção, obrigada!
Tania, de Montes Claros, MG

Anônimo disse...

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Tania, de Montes Claros, MG

Anônimo disse...

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Tania, de Montes Claros, MG

Anônimo disse...

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Tania, de Montes Claros, MG